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terça-feira

Corpo Extenso

O automóvel é a extensão de teu corpo. Foi o que disse meu instrutor de direção na primeira aula, contrariando minhas lições de Ciências: “O corpo é formado de tronco, cabeça e membros”. A qualidade da parte extensa depende da índole do sujeito possuidor do principal. Tenho verificado, nestes catorze anos de motorista, a verdade do aforismo. Para alguns o carro é extensão de seu ódio, para outros de sua gentileza. Com essa extensão do corpo (e da alma) andamos por aí matando ou salvando. Mais matando que salvando.
O automóvel tornou-se mais importante que a casa. Há muitos com carro de luxo e morando de aluguel. Não é fácil levar a casa para as festas, para o trabalho, para um encontro de amigos. Difícil ostentar suas torneiras de ouro, os azulejos importados, ou o mármore italiano da pia da cozinha.
 Demonstrar para amigos e garotas que somos poderosos, ricos, bem sucedidos e um sucesso, é uma necessidade de vida ou morte. Colegas se impressionam mais com um carro de alto padrão do que com nossa felicidade no amor. Garotas, em geral, são atraídas preponderantemente por uma BMW que por nossa futura capacidade de ser um bom pai de seus filhos.
 Para quem duvida, proponho um teste: saia para as baladas com um Fiat 147, vestido modicamente, e leve consigo um projeto escrito de como você pretende na vida ser um sujeito ético e decente. Depois repita a balada, em modelitos fashion, sem projeto nenhum, mas alugue uma BMW e diga que é sua. Feita a experiência, avalie o resultado e me contrarie com provas.
Por essas e outras, a iniciativa do Vaticano em publicar os dez mandamentos do motorista é oportuna. Antes tarde do que nunca. Neste mundo de automóveis fáceis, exercer o amor ao próximo no volante é maior imperativo. Mais atual que não pecar contra a castidade, honrar pai e mãe, ou não furtar. Está praticamente impossível ser casto numa sociedade sexualizada e é tempo de pais e mães de escassa honra. Deixar de afanar nestes tempos - quando, em qualquer um dos poderes do Estado, encontram-se representantes dispostos a transformar Ali Babá e seus comparsas em Franciscos de Assis – tornou-se conduta altamente suspeita.
O documento católico tem razão. Muitas pessoas aguçam o instinto de domínio, prepotência e poder quando dirigem, e o automóvel é usado como objeto de ostentação para ofuscar os demais e suscitar invejas. O texto também denuncia comportamentos pecaminosos em muitos motoristas, como a falta de cortesia, gestos ofensivos, discussões, blasfêmias, perdas do senso de responsabilidade e violação deliberada do código de circulação. Relembra que no século XX cerca de 35 milhões de pessoas morreram em acidentes de trânsito. Os feridos totalizaram 1,5 bilhão. Pelo que vemos nos noticiarios, o século XXI será muito pior. Além de extensão de nosso corpo, o automóvel é, sobretudo, extensão da nossa consciência.

Pablo Morenno.

 

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